sexta-feira, 3 de junho de 2011

A História dos Primos Ratos

Era uma vez um rato que vivia no campo, onde era muito feliz. Tinha um primo rato que vivia na cidade, dentro dos esgotos.
O rato do campo alimentava-se de frutas, raízes e sementes. O da cidade comia restos de comida que ia buscar aos caixotes do lixo.
Um dia o rato da cidade foi ao campo visitar o primo, e ao despedir-se disse-lhe assim: "-Ó primo, porque é que não vais para a cidade? Está-se lá tão bem, e tu aqui na floresta, sózinho, sem divertimentos, estás pior. Vá, vem comigo para a cidade, que isto aqui é uma pasmaceira!".
O primo respondeu-lhe que ia pensar, e despediram-se.
Passados alguns dias o rato do campo disse assim para ele próprio: "-Ó meu rico campo, vou ter que te deixar!" Fez as malas e partiu para a cidade escondido na bagageira de um carro.
Quando lá chegou foi ter com o primo aos esgotos. O primo ficou muito contente ao vê-lo. Alimentavam-se com porcarias e restos de comida.
"-Ai meu rico campo, tenho tantas saudades tuas e da minha casinha!", pensava o rato do campo a todo o momento.
O primo dizia-lhe assim: "-Temos tanta comida, há tanto barulho e movimento aqui na cidade. Isto é muito mais divertido que no campo.".
E todos os dias o rato do campo sofria mais e mais.
Até que um dia se encheu de coragem e disse ao primo: "-Eu tenho que voltar para o meu campo. Lá estou muito melhor e sou muito mais feliz!".
O rato do campo fez as malas e voltou para casa.

O Principezinho e as Três Laranjas

Era uma vez um principezinho que ia a passear a cavalo. Trotava por um descampado e estava cheiinho de calor. Sentia muita sede e queria beber água. Mas só o poderia fazer quando chegasse ao castelo. Quando ia pela estrada fora, encontrou uma velha, que trazia um cesto na mão com 3 laranjas. A velha perguntou-lhe assim: - Queres as minhas laranjas? O príncipe perguntou-lhe se davam para tirar a sede, ao que ela respondeu que sim. Só que tinha que ter água com ele, pois cada laranja tinha lá dentro uma princesa e, quando as abrisse, tinha que lhes dar imediatamente água para elas beberem, porque senão morreriam. O príncipe agradeceu e continuou a galopar, pensando que a velha não sabia o que dizia, e que as laranjas não deviam ter lá dentro nenhumas princesas. Então, cheio de sede, parou o cavalo e abriu uma das laranjas. Qual não foi o seu espanto que saiu de lá uma princesa, com uns belos olhos azuis, um vestido amarelo e os cabelos ruivos. Calçava uns sapatos cor-de-rosa. E ela, mal saiu de dentro da laranja, pediu água ao príncipe. Ele respondeu-lhe que não tinha, que teria de esperar mais um pouco. Então, para seu espanto, ela morreu mesmo! O príncipe recomeçou a galopar e pensou que só devia haver uma princesa, a que estava naquela laranja. Passado algum tempo, cada vez mais cheio de sede, abriu outra. E lá dentro havia outra princesa, com os olhos castanhos, cabelo preto, um vestido rodado castanho e uns sapatos côr-de-laranja. Então a princesa pediu água ao príncipe, dizendo-lhe que se não bebesse morreria logo. E foi o que aconteceu! O príncipe continuou a galopar e foi dizendo que, apesar de cada vez mais cheio de sede, só ia abrir a última laranja quando chegasse ao castelo. Quando lá chegou, deu água ao cavalo e bebeu ele próprio. Então, abriu a última laranja, e para seu espanto saiu dela uma princesa com o cabelo louro, uns grandes olhos verdes, um vestido todo branco e sapatos cor-de-mel. Ela pediu-lhe: - Dá-me água, senão eu morro. Ele deu-lha logo, e disse-lhe que ia buscar um vestido, porque o que trazia era muito feio. Entretanto apareceu uma bruxa à princesa, e disse-lhe: - Estás tão despenteada! Vou-te escovar o cabelo. Quando o fazia, espetou-lhe a cabeça com um alfinete, e a princesa transformou-se numa pomba toda branca. Então a bruxa sentou-se no lugar da princesa. Quando o príncipe voltou, com um belo vestido na mão, estranhou que a princesa tivesse ficado de repente tão feia. E entregou-lhe o vestido para se mudar. Deram então os dois um grande passeio pelo castelo. Mais tarde ele deixou-a, e veio cá para fora, aonde encontrou uma pombinha branca, que lhe veio pousar no braço. Ele começou a fazer-lhe festas, reparando então que tinha uma coisa dura na cabeça. Retirando-a, viu que era um alfinete. Imediatamente a pomba se transformou na princesa. Entraram no castelo e o príncipe ordenou que matassem a bruxa. Mas a princesa pediu-lhe para não fazer isso, antes que a deixassem algures, muito longe do castelo.

As Três Árvores

Havia, numa cidade, três pequenas árvores que sonhavam o que seriam depois de grandes.
A primeira, olhando as estrelas, disse:
- Eu quero ser o baú mais precioso do mundo, cheio de tesouros. Para tal, até me disponho a ser cortada.
A segunda olhou para o riacho e suspirou:
- Eu quero ser um grande navio para transportar reis e rainhas.
A terceira árvore olhou o vale e disse:
- Quero ficar no alto da montanha e crescer tanto, tanto, que as pessoas, ao olharem para mim, levantem seus olhos e pensem em DEUS.
Muitos anos se passaram e certo dia vieram três lenhadores e cortaram as três árvores, todas ansiosas em serem transformadas naquilo que sonhavam.
Mas os lenhadores não costumavam ouvir e nem entender sonhos... Mas que pena...!
A primeira árvore acabou sendo transformada num coxo de animais, coberto de feno.
A segunda virou um simples barco de pesca, carregando pessoas e peixes todos os dias.
E a terceira, mesmo sonhando em ficar no alto da montanha, acabou cortada em grossas vigas e colocada de lado num depósito.
E todas as três se perguntavam:
- Porque nos aconteceu isto?
Mas, numa certa noite, cheia de luz e de estrelas, com mil melodias no ar, uma jovem mulher colocou seu neném recém-nascido naquele coxo de animais.
E, de repente, a primeira árvore percebeu que continha o maior tesouro do mundo.

A segunda árvore, anos mais tarde, acabou transportando um homem que adormeceu no barco. Mas quando a tempestade quase o afundou, o homem levantou-se e disse ao mar revolto: "SOSSEGA.
.."
E num relance, a segunda árvore entendeu que estava carregando o Rei dos Céus e da Terra.
Tempos mais tarde, numa sexta-feira, a terceira árvore espantou-se quando as suas vigas foram unidas em forma de cruz e um homem foi pregado nela, pois fora condenado à morte mesmo sendo inocente.
Logo, logo, sentiu-se horrível e cruel, mas no Domingo, o mundo vibrou de alegria e a terceira árvore entendeu que nela havia sido pregado um homem para salvação da humanidade, e que as pessoas se lembrariam de DEUS e de seu filho JESUS CRISTO ao olharem para ela.
As árvores tinham sonhos, mas as suas realizações foram mil vezes melhores e mais sábias do que haviam imaginado.
Portanto, por mais que não entendam o porquê das coisas, ou pareça estar tudo errado, lembrem-se que ALGUÉM sabe o que faz.

A Pulga e o Elefante

Era uma vez uma pulga que saltava e saltava e voltava a saltar para ver mais alto, lá para o outro lado do mundo.
De tanto saltar, foi parar, sem querer, à cabeça de um elefante que por ali passava calmamente com os seus amigos e família.
Quando se viu pousada na cabeça do elefante pensou:
- Agora já não tenho necessidade de andar para aqui aos saltos, saltinhos e saltões, porque daqui de cima vejo tudo até ao longe, como se estivesse numa montanha.
Assim pensou, assim o fez. Chamou logo a sua famelga pulguenta e lá foram instalar-se no "cucuruto" do paquiderme com grandes vivas de felicidade e alegria.
Ora o elefante senhorio começou a sentir uma coisa estranha no andar de cima. Uma sensação incómoda de último andar ocupado por vizinhança desconhecida e em festa agitada. Para escutar e sentir melhor, volta não volta parava, controlando as suas enormes orelhas, e punha-se à escuta para captar o que se passava.
O pulguedo em festança lá estava, observando do alto a paisagem, tomando chá e biscoitos de pulga, em festa de arromba, aliviados de tanto salto ter dado.
A pulga rainha, que lhes tinha indicado aquele miradouro, tinha um chapéu enorme, espécie de corôa, para se distinguir das outras pulgas. Uma espécie de campeã dos saltos. De repente, uma ventania muito forte veio sem avisar e o chapéu saltou-lhe da cabeça real e foi voando, voando pelo ar fora, e só parou dentro do olho do elefante, numa altura em que ele, muito paradinho, tentava, de olhos esbugalhados e muito concentrado, perceber a origem e o porquê daquela algazarra. O nosso elefante, com o chapéu enfiado no olho, deitava abundantes lágrimas, como aquela poeira que nos entra pela vista sem avisar e nos deixa a chorar, como um rio deslizando pela cara abaixo.Então a pulga do chapéu resolveu aventurar-se para recuperar a sua preciosidade real.
Desceu até à grande orelha do elefante e segredou-lhe:
- Senhor elefante, senhor elefante, sou eu, a vizinha do andar de cima, está-me a ouvir?
Sim, como é que uns super ouvidos como aqueles, não haviam de ouvir? Aquele som, junto aos tímpanos, parecia-se com o ressoar de trovões dentro de uma panela!
O elefante, com o olho a deitar lágrimas, eriçou a tromba e como uma trompete, lá perguntou aflito:
- Quem é que está aí aos berros?
- Sou eu, a sua vizinha pulga. Posso ajudar a parar essa dor que o faz chorar!
-Como?- Perguntou o elefante a desfazer-se em água pela tromba abaixo.
- Posso ir aí ao lado e tirar esse mal do seu olho. Logo ficará melhor!
O elefante, que não sabia o que era uma pulga, ao princípio desconfiou se aquilo não era a voz de algum fantasma, ou o truque do seu primo com a mania de ser ventríloquo. Mas como a dor não saía, nem com a esfregadela da tromba, lá se resignou dizendo:
- Está bem ó Dona Pulga. Não sei se você existe, mas se existe ajude-me, pois parece que me entrou um porco espinho para o olho.
- Não é um porco espinho. É o meu belo chapéu em forma de coroa que me voou da cabeça.Com um salto bem treinado, a pulga rainha chegou-se perto do olho do paciente e zás, tirou-lhe o chapéu, o que provocou um alto som de alívio do elefante, agora agradecido e olhando para a pulga com melhor visibilidade.
- Você é que é uma pulga? Que raio de bicharoco mais pequeno e saltitão! Bem, mas muito obrigado por me ter aliviado desta dor de olho chorão. E já agora onde vive?
- Eu? Bem, se não ficar zangado comigo vou-lhe contar. Estava eu aos saltos no chão, aqui perto, quando um salto mais campeão me levou ao cimo da sua linda, linda e espaçosa cabecinha, ainda por cima com uns abaniques que dão fresquinho e lindos como asas ao vento. Quando estava lá no seu alto, a vista era magnífica e, com um assobio especial de pulga, convidei os meus amigos e famelga pulguenta a subirem, de salto ou pela tromba acima, assim acontecendo. Foi a visão mais bonita que tivemos todos até agora, fartos de andar sempre aos saltos de terra em terra, de cão em cão, de gato em gato. Como pode sentir daqui, lá estão todos ainda numa grande festa, com uns senhores da montanha, deliciados com a vista no horizonte.O elefante, ainda com um olhar espantado, ia ouvindo a história daquele bichinho chamado pulga e quase não acreditava na ocupação do seu espaço superior entre as orelhas. Mas como tinha uma dívida de gratidão pelo alívio da vista, lá compreendeu, decidindo apresentar a pulga à sua família maravilhosa e restantes amigos da manada, sempre unida, com boa memória, como todos os elefantes, grandes de corpo e dóceis de coração.
A pulga, por sua vez, prometeu apresentar todo o seu povo pulguento e, com aquele assobio especial, chamou a sua gente, formando-se logo uma grande fila, numa confraternização com os paquidermes, trocando amizades e experiências de saltos e jactos de água saídos das trombas, entre risos e conversas de animais pequenos e animais enormes.
Enfim, o tamanho não tem grande importância. Foi tudo uma questão do elefante saber da existência da pulga, embora a pulga já conhecesse o elefante, e agora muito melhor, depois daquele ponto alto.
E assim ficaram amigos. Os elefantes deram-lhes autorização para viverem no alto de toda a manada.
Neste momento fazem festa todos as semanas. Convidam os elefantes para dançar. Ainda tentaram que estes dessem alguns saltos, mas nada feito, pesadões como são! Dão grandes passeios pelas florestas, sempre em festa e com belas paisagens, num nunca mais acabar.
Um dia ainda passam por aqui. Estejam atentos ao assobio especial da nossa amiga pulga, rainha e campeã de saltos...!

O Pequeno Alfaiate

Em Vila Tranquila as pessoas andavam muito preocupadas por causa de um gigante que tinha o mau hábito de se sentar em cima das casas,deixando-as em fanicos.
Nessa cidade também vivia Luis, um pequeno alfaiate. Estava ele numa luminosa manhã de Verão, sentado no seu banco junto da janela aberta, cosendo fatos atarefadamente. De repente, a sua atenção foi desviada do trabalho pela voz de uma vendedora que, na rua, apregoava compotas.
- Como me apetece comer um pouco de compota! disse o alfaiate, chamando de seguida a vendedora.
- Quero esta, decidiu o alfaiate.
Cortando uma fatia de pão, espalhou nesta a compota e voltou ao trabalho.
O aroma da compota encheu o quarto e saindo pela janela aberta, atraiu um enxame de moscas, que pousaram na fatia de pão.
O alfaiate não as podendo ver a comer a sua compota, pegou num mata-moscas  e começou a bater-lhes. Depois contou-as e verificou que tinha abatido sete moscas.
- Isto é de coragem, disse o alfaiate rindo. - Sete de um só golpe.
Alguém que vinha a passar ouviu isto e foi contar ao Rei, dizendo que numa casa de Vila Tranquila vivia alguém que tinha abatido sete gigantes de um só golpe.

Interessadíssimo, o Rei mandou chamá-lo e disse-lhe:
- Matás-te sete gigantes, se matares este que se anda a sentar em cima das nossas casas, serás o nosso herói.
- Que dizeis, Magestade?
- Que mataste sete gigantes. Se nos livrares deste poderás casar com a princesa minha filha.
O alfaiate ainda se quis explicar, mas os soldados levaram-no para fora do palácio.
Nessa noite, escondido no matagal, viu o gigante.Como era seu hábito ele encostou-se a uma casa. Os habitantes fugiram esbarofidos! E logo adormeceu profundamente, ressonando altíssimo, tão alto que fazia estremecer todo o chão à volta.
O alfaiate aproximou-se para o ver melhor, e de repente foi aspirado pelo gigante. Que susto!!!
Mas este continuou a dormir. Então Luis teve uma idéia: coser a língua do seu inimigo, utilizando uma agulha e fio que trazia consigo.
- Porque é que não podes falar, gigante? Se te deixares atar eu posso fazer com que fales.
O gigante aceitou a combinação, e o alfaiate atou-o, mas não lhe soltou a língua.
- Terás que fazer ainda outra coisa, gigante, exigiu Luis.
E mandou-o assoprar o moinho do rio, que moia a produção de cerais de Vila Tranquíla.
E tal como o rei havia prometido, o pequeno alfaiate casou com a princesa e foram muito felizes.
Porém nunca mais deixou de usar um cinto com estas palavras: «SETE DE UM SÓ GOLPE»

O Marinheiro, o Gato e o Velho

Há muitos anos atrás, havia um marinheiro muito novo que gostava muito de navegar pelos mares. Mas a cada dia que passava ia ficando mais triste porque sentia que lhe faltava algo mais para ser feliz, e decidiu fazer uma grande viagem, que tinha como destino o acaso.
Ele lá partiu levando consigo uma longa trouxa e, ao fim de uns dias, foi parar a uma ilha, que por certo devia estar deserta. Quando desembarcou, encontrou uma garrafa com um papel lá dentro, e quando o desdobrou viu que era um mapa de um tesouro. De momento, pensou que podia ser de qualquer outra ilha, mas depois de o observar bem, é que reconheceu alguns "pontos" iguais.
Descarregou a sua trouxa e montou uma tenda para se abrigar. No outro dia de manhã, quando acordou, descobriu que não estava sozinho , porque estava a ver o fumo daquilo que pareciam ser muitas fogueiras do outro lado da ilha, e como não tinha nada para fazer, decidiu ir até lá ver o que era aquilo. Quando já só faltava passar uns arbustos, ele desatou a correr, parando rapidamente e ficando perplexo com o que acabara de ver. O fumo era de um gato gigante, que o deitava pelas orelhas, porque estava enervado por estar cheio de fome e não conseguir apanhar nem um peixe para comer.
O gato, de facto, não conseguia apanhar nenhum peixe porque tinha medo da água, pelo que só molhava as patas. Então o marinheiro decidiu ajudá-lo, se ele o ajudasse a procurar o tesouro.
O marinheiro lá foi ao mar, e apanhou muitos peixes, tantos que nunca tinha visto de uma vez só. O gato ficou muito contente e passou a ir todos os dias com o marinheiro, para o ajudar a procurar o tesouro. Entretanto, o marinheiro ia apanhando peixes para o gato comer.
Num dia, enquanto andavam à procura do tesouro, apareceu um velho, como que por magia, e perguntou o que estavam ali a fazer, ao que eles responderam logo que andavam à procura de um tesouro. Quando o velho ouviu a palavra "tesouro", arrebitou logo as orelhas e fingiu-se muito cansado para que o gato o transportasse, para poder ir com eles à procura do tesouro.
Um dia, depois de muito procurarem, acharam o tesouro, que estava escondido por baixo de uma pedra. Quando o marinheiro abriu o baú, o velho empurrou-o para o lado, cheio de curiosidade, e disse que aquilo era tudo dele, ameaçando o marinheiro com uma espada. O marinheiro, receando perder a vida, disse logo que sim, mas o velho esqueceu-se do gato gigante que estava atrás deles. Como o gato gostava muito do marinheiro, deu uma patada ao velho, que logo o fez cair ao chão.
Deixaram então o velho sozinho na ilha e regressaram com o tesouro, com que o marinheiro comprou uma casa muito grande, e também muitos peixes para o gato.

O Coelhinho Aventureiro

O Coelhinho Aventureiro, certo dia, saiu da sua casinha, que estava ao pé de um campo cheio de papoilas e, de mala na mão, com as suas gravatas nela guardadas, a escova dos dentes e uma muda limpa, partiu para ir conhecer o mundo.
O Coelhinho Aventureiro andou toda a manhã sem encontrar vivalma. E chegou o meio-dia.
- Bolas! -dizia para si o Coelhinho -já estou com fome e não vejo nenhuma casa onde possa encontrar alguma coisa de comer.
Continuou a caminhar e, à tardinha, encontrou na berma do caminho uma linda borboleta, e disse-lhe:
- Amiga Borboleta! Estou muito contente por te ter encontrado, porque eu perdi-me, sabes, e não vejo nenhuma casa onde possa passar a noite. Podes-me indicar alguma?
- Sim, Coelhinho Aventureiro, respondeu a Borboleta -continua por este caminho e, ao chegar ao fim dele, verás a pousada do senhor Gato. Ali, concerteza que encontras comida e lugar para dormir.
-Obrigado, linda Borboleta! Vou já para lá.
E assim fez o Coelhinho aventureiro. A andar, a andar, chegou ao fim do caminho e, com efeito, encontrou a pousada e bateu à porta, perguntando:
-Podem-me dar de comer e alojamento para esta noite?
-Tens dinheiro para pagar? -perguntou o senhor Gato.
-Então, não havia de ter! -respondeu o Coelhinho.
- Nesse caso, podes entrar -resolveu o dono da pousada, mas nenhum dos dois tinha reparado em que, escondida atrás de umas árvores, estava a Raposa Bandida, que tinha visto chegar à pousada o Coelhinho Aventureiro.
A Raposa Bandida pensou:
-Mas que coelho tão gordinho! Vou esperar que saia da pousada e, logo que o tenha entre as minhas mãos, como-o guisado com tomate.
Coitadinho do Coelhinho Aventureiro! Que longe estava ele de imaginar que, ao pé da casinha, estava à sua espera, pacientemente, a Raposa, lambendo já os beiços de prazer, porque vocês devem saber que uma das coisas de que ela mais gostava era de lombo de coelho grelhado, depois de um aperitivo à base de orelhas de coelho.
O Coelhinho estava a aquecer-se ao lume, enquanto assava o frango que lhe ia servir de jantar, quando entrou pela janela a Borboleta, dizendo:
-Coelhinho Aventureiro, Coelhinho Aventureiro! À porta da pousada está escondida a Raposa Bandida, à espera de te apanhar, ao saíres daqui, para te espetar o dente. Não tens por onde fugir, pobre Coelhinho Aventureiro, porque a casa não tem nenhuma outra saída fora daquela onde a Raposa está à tua espera. O que é que pensas fazer?
O Coelhinho foi à janela com muito cuidado. Lá estava, à espreita, perto da porta, o seu terrível inimigo. Mas o Coelhinho Aventureiro teve uma ideia feliz. Apanhou da chaminé uma brasa e, aproveitando que a Raposa tinha a cauda tão levantada que chegava até ao pé da janela, encostou-lhe a esta a brasa. A Raposa Bandida, sentindo que se queimava, olhou para trás e viu a cauda a arder, deu um enorme pulo e desatou a correr para longe da pousada, dando urros de medo, à procura de água onde poder apagar o fogo.

O Menino Sortudo

Numa aldeia viviam dois amigos -um era o Tretas, um miúdo muito trocista e fanfarrão, o outro era um rapazinho mais novo, muito tímido, chamado Zéquinhas.
O mais velho andava sempre a pregar partidas ao outro. Assim, um dia em que o Zéquinhas estava a pescar no rio, o Tretas resolveu rir-se dele.
-Vou desenhar um mapa a fingir que é o mapa do tesouro do pirata Perna-de-Pau -disse para si o Tretas, a rir -e, depois, deixo-o cair ao pé do Zéquinhas! Ele, tão inocente, vai certamente acreditar que é verdadeiro.
E de facto o Zéquinhas, logo que viu o papel, exclamou:
-Deus do Céu! É o mapa da ilha do tesouro do pirata Perna-de-Pau! Entusiasmado, largou a cana-de-pesca e foi a correr a casa, à procura do seu mealheiro, para comprar uma pá e uma picareta.
Entretanto oTretas ria-se a bom rir.
-O tolo acreditou! O tolo acreditou! -troçava.
O Zéquinhas alugou um barco à vela e, com o dinheiro que lhe sobrou, comprou um saco cheio de comida e uma garrafa de sumo de laranja. Meteu tudo no barco e partiu.
-Boa viagem, rapaz -desejou, trocista, o Tretas.
- Vou a uma ilha deserta.
-Depois contas-me como é que te correu por lá -grande palerma, que acreditas em tudo, pensou o Tretas.
O Zéquinhas, todo animado, içou a vela, atravessou o mar e chegou à ilha. Desembarcou e começou logo a cavar no ponto indicado no mapa.
Passado algum tempo, já a transpirar, sentiu a picareta a bater em metal... poc, poc, poc! Alvoroçado, com o coração a bater mais depressa, alargou o buraco e encontrou um cofre! Ao abri-lo, viu que estava cheio de moedas de ouro, pérolas, brilhantes e outras riquezas. O nosso bom rapaz começou a dar pulos de alegria à volta do velho cofre.
Entretanto, na aldeia, o Tretas tinha andado a contar a todos, entre piadas e risos, a partida que tinha pregado ao Zéquinhas, e todos esperavam impacientes a sua chegada. Uma borboleta avisou que vinha lá um barco.
-Esperem -disse oTretas -Quero ser o primeiro a recebê-lo, para lhe dizer que fui eu que o enganei.
-Divertiste-te, Zéquinhas? -perguntou quando o barco encostou.
-Se me diverti! E muito! -respondeu-lhe o rapaz. Trago no meu barco o tesouro do pirata Perna-de-Pau.
-Não pode ser! -gemeu o Tretas, só acreditando ao vê-lo, extasiado perante tanta riqueza.

O Moinho de Café, a Bandeja e o Bastão

ERA UMA VEZ um pobre lenhador que tinha uma esposa e sete filhas. Ele trabalhava bastante mas, apesar disso, continuava muito pobre. Assim se passaram vários anos.
       Um dia, cortando árvores, de repente viu à sua frente um homem preto que lhe perguntou: — Por que você corta minha cabeça todo dia:
       A resposta do lenhador foi: — Senhor, tenho em casa uma mulher e sete filhas para alimentar. Derrubar árvores é o único meio que sei de conseguir dinheiro. Vendo a madeira e assim não morremos de fome, embora passemos necessidades.
       O coração do preto transbordou de piedade. Disse: — Darei a você um moinho de café que produzirá tanta comida quanto você o desejar. Mas não venha aqui novamente.
       O lenhador chorou de alegria, beijou o negro, bendisse-o e agradececeu-lhe. Pegou as ferramentas e o moinho de café e dirigiu-se para casa. Durante o caminho, descansou e, como estivesse com fome, decidiu experimentar o moinho. Disse: — Moinho, dê-me arroz, carne e pão. — E dizendo isso, fechou os olhos. Quando os abriu, achou a comida à sua frente. Terminou a refeição e encaminhou-se rapidamente para casa.
       Contou à família, alegremente, sobre a aparição do negro e seu presente maravilhoso. E toda a família agradeceu a Deus no céu por sua misericórdia e providência. Imediatamente, desejaram uma refeição sadia e substancial. E lá estava ela.
       Assim viveram felizes a semana inteira.
       Na vizinhança, viva uma velhina que os visitava de vez em quando. Um dia, uma semana depois que o lenhador trouxe para casa o moinho, apareceu ela para visitá-los e, como de costume, perguntou-lhes: — Como vão as coisas?
       Uma das filhas alardeou: — Muito bem. Papai não trabalha mais. Possuímos um moinho maravilhoso, que nos provê de tudo o que desejamos.
       Assim, a velhinha decidiu conseguir esse moinho para si. Um dia, visitou-os novamente quando outra filha estava em casa. Pediu-lhe o moinho emprestado, pois ela queria moer alguns grãos de café e não possuía moinho. — Devolverei o moinho dentro de umas três horas — prometeu. E o moinho lhe foi entregue. É claro que, em vez de devolver o moinho milagroso, trouxe de volta um moinho qualquer, apesar de ser quase idêntico ao moinho do lenhador.
       O pai voltou à noite, dirigiu-se ao moinho na forma costumeira, mas, por Deus!, o moinho não funcionou. As filhas lhe contaram sobre a visita da velhinha e o pai lhes deu uma boa surra. Naquela noite, comeram os restos da refeição anterior e, no dia seguinte, ele pegou as ferramentas e foi novamente à floresta para abater árvores.
       Começou a cortar a primeira árvore — e, novamente, quem aparece? Nada mais nada menos que o homem preto! E ele falou ao lenhador: — Não lhe dei um moinho maravilhoso, a fim de que você não aparecesse mais aqui? Por que está cortando a minha cabeça novamente?
       O lenhador respondeu: — Senhor, minhas estúpidas filhas deram o moinho a uma velhinha e ela não o devolveu. Por isso, preciso voltar a trabalhar.
       O negro pensou um momento e disse: — Vou lhe dar uma segunda oportunidade. Aqui está uma bandeja que produzirá quanto dinheiro você desejar. Mas não volte mais aqui.
       Encheu-se novamente de alegria o coração do lenhador. No caminho, experimentou a bandeja: — Bandeja, bandeja, dê-me dinheiro! — E lá estavam moedas de ouro e de prata. Novamente contou à esposa e às filhas seu segundo encontro com o negro, e novamente todos agradeceram a Deus no céu por sua misericórdia e benevolência. Desta vez o lenhador avisou a todas que não emprestassem a bandeja a vizinho algum.
       Passou-se uma semana em alegria e fartura, de novo apareceu a velhinha para fazer uma visita. E outra vez o lenhador não estava em casa. Traiçoeiramente, ela levou na conversa a mulher e as filhas do lenhador, e vocês sabem muito bem como as mulheres são conversadeiras e como adoram tagarelar! E acreditem ou não, ao sair da casa do lenhador, levava consigo a bandeja emprestada.
       Imaginem a fúria do pai quando chegou em casa. Quase morreu de raiva. Desculpas como: "A mulher nos deixou confusas" não adiantaram nada. Esposa e filhas foram espancadas duramente, como bem mereciam. E, na manhã seguinte, o lenhador pegou suas ferramentas e dirigiu-se novamente à floresta.
       Começou a cortar sua primeira árvore — e, novamente, quem apareceu? Naturalmente, nada mais nada menos que o homem preto! O lenhador contou-lhe então a estória toda, e o negro lhe disse: — Dei-lhe duas oportunidades, e você as desperdiçou. Aqui está a sua última chance. Vou lhe dar este bastão. Se ele estiver próximo de uma pessoa sem roupa, ele baterá até você dizer "Basta!" Primeiramente, bata em você mesmo, depois em sua mulher e suas filhas, e em seguida na velha que é sua vizinha.
       O lenhador voltou para casa, despiu-se e recebeu uma surra e tanto, até que ordenou "Basta!" Depois disse à mulher e às filhas: — Hoje, tenho uma coisa maravilhosa para vocês. É um bastão que provê coisas muito boas. Entrem, uma a uma, no quarto e tirem a roupa. — As mulheres ficaram muito contentes. Uma a uma, entraram no quarto, tiraram a roupa e receberam uma surra de acordo até que o pai ordenou "Basta!"
       No dia seguinte, a velha apareceu de novo para uma visita e fez a pergunta costumeira: — Como vão as coisas? — Como era natural, contaram-lhe sobre o bastão maravilhoso. E, quando deixou a casa, a velhinha levava consigo o bastão.
       Passaram-se alguns dias, e a velha não voltava. Foram então visitá-la, entraram pela casa adentro e encontraram-na morta. Compreenderam então o que tinha acontecido. A mulher não soubera deter o bastão; assim, fora espancada até a morte. Naturalmente, acharam o moinho e a bandeja e levaram a ambos para casa.
       Desde então viveram feliz e com fartura.

História do Compadre Rico e do Compadre Pobre

Moravam numa aldeia dois compadres. Um era pobre e o outro rico, mas muito miserável. Naquela terra era uso todos quantos matavam porco dar um lombo ao abade. O compadre rico, que queria matar porco sem ter de dar o lombo, lamentou-se ao pobre, dizendo mal de tal uso. Este deu-lhe de conselho que matasse o porco e o dependurasse no quintal, recolhendo-o de madrugada, para depois dizer que lho tinham roubado.

Ficou muito contente com aquela ideia e seguiu à risca o que o compadre pobre lhe tinha dito. Depois deitou-se com tenção de ir de madrugada ao quintal buscar o porco. Mas o compadre pobre, que era espertalhão, foi lá de noite e roubou-lho. No dia seguinte, quando o rico deu pela falta do porco, correu a casa do compadre pobre e muito aflito contou-lhe o acontecido. Este, fazendo-se desentendido, dizia-lhe: «Assim, compadre! Bravo! Muito bem, muito bem! Assim é que há-de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!»

O rico cada vez teimava mais ser certo terem-lhe roubado o porco; e o pobre cada vez se ria mais, até que aquele saiu desesperado, porque o não entendiam.

O que roubou o porco ficou muito contente e disse à mulher: «Olha, mulher, desta maneira também havemos de arranjar vinho. Tu hás-de ir a correr e a chorar para casa do compadre, fingindo que eu te quero bater; levas um odre debaixo do fato, e quando sentires a minha voz, foges para a adega do compadre e enquanto eu estou falando com ele, enches o odre de vinho e foges pela outra porta para casa.» A mulher, fingindo-se muito aflita, correu para casa do compadre, pedindo que lhe acudisse, porque o marido a queria matar. Nisto ouviu a voz do marido e correu para a adega do compadre, e enquanto este diligenciava apaziguar-lhe a ira, enchia ela o odre. Tinha-lhe esquecido, porém, um cordão para o atar, mas tendo uma ideia gritou para o marido: «Ah! Goela de odre sem nagalho!» O marido, que entendeu, respondeu-lhe: «Ah, grande atrevida!... Que se lá vou abaixo, com a fita do cabelo te hei-de afogar!» Ela, apenas isto ouviu, desatou logo o cabelo, atou com a fita a boca do odre e fugiu com ela para casa. Desta maneira tiveram porco e vinho sem lhes custar nada, e enganaram o avarento do compadre.

A Roupa do Rei

Era uma vez um tão vaidoso de sua pessoa que só faltava pisar por cima do povo. Certa vez procuram-no uns homens que eram tecelões maravilhosos e que fariam uma roupa encantada, a mais bonita e rara do mundo, mas que só podia ser enxergada por quem fosse filho legítimo.
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O rei achou muita graça na proposta e encomendou o traje, dando muito dinheiro para sua feitura. Os homens trabalharam dia e noite num tear mágico, cozendo com linha invisível, um pano que ninguém via.
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O rei mandava sempre ministros visitarem a oficina e eles voltavam deslumbrados, elogiando a roupa e a perícia dos alfaiates. Finalmente, depois de muito dinheiro gasto, o rei recebeu a tal roupa e marcou uma festa pública para ter o gosto de mostrá-la ao povo.
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Os alfaiates compareceram ao palácio, vestindo o rei de ceroulas, e cobriram-no com as peças do tal traje encantado, ricamente bordado mas invisível aos filhos bastardos.

O povo esperou lá fora pela presença do rei e quando este apareceu todos aplaudiram com muito entusiasmo. Os alfaiates, aproveitando a festa, desapareceram no meio do mundo.
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O rei seguiu com o cortejo, mas, atravessando uma das ruas pobres da cidade, um menino gritou:
- O Rei está de ceroulas!
Todo mundo ali presente reparou e viu que realmente o rei estava apenas de ceroulas. Uma grande e entrondosa vaia foi o que se ouviu. O rei correu para o palácio morto de vergonha. Desse dia em diante corrigiu-se seu orgulho. E enquanto durou seu reino foi um rei justo e simples para o seu povo.

O Cego e o Moço

Um cego andava pedindo esmola pela mão de um moço; a uma porta deram-lhe um naco de pão e um bocado de linguiça. O moço pegou no pão e deu-o ao cego para metê-lo na sacola, e ia comendo a linguiça muito à sorrelfa. O cego, desconfiado, pelo caminho começa a bradar com o moço:
– Ó grande tratante, cheira-me a linguiça! Acolá deram-me linguiça e tu só me entregaste o pão.
– Pela minha salvação, que não deram senão pão.
– Mas cheira-me a linguiça, refinado larápio!
E começou a bater com o bordão no moço pancadas de criar bicho. O moço era ladino e disse lá para si que o cego lhas havia de pagar. Quando iam por uns campos onde estavam uns sobreiros, o moço embicou o cego para um tronco, e grita-lhe:
– Salta, que é rego. O cego vai para saltar e bate com os focinhos no sobreiro. Grita ele:
– Ó rapaz do diabo! Que te racho.
Diz-lhe ele:

Pois cheira-lhe o pão a linguiça,
E não lhe cheira o sobreiro à cortiça?

Os Três Conselhos

Um pobre rapaz tinha casado, e para arranjar a sua vida, logo ao fim do primeiro ano teve de ir servir uns patrões muito longe. Ele era assim bom homem, e pediu ao amo que lhe fosse guardando na mão o dinheiro das soldadas. Ao fim de uns quatro anos já tinha um par de moedas, que lhe chegava para comprar um eidico, e quis voltar para casa. O patrão disse-lhe:
– Qual queres, três bons conselhos que te hão-de servir para toda a vida, ou o teu dinheiro?
– Ele, o dinheiro é sangue, como diz o outro.
– Mas podem roubar-to pelo caminho e matarem-te.
– Pois então venham de lá os conselhos.
Disse-lhe o patrão:
– O primeiro conselho que te dou é que nunca te metas por atalho, podendo andar pela estrada real.
– Cá me fica para meu governo.
– O segundo, é que nunca pernoites em casa de homem velho casado com mulher nova. Agora o terceiro vem a ser: nunca te decidas pelas primeiras aparências.
O rapaz guardou na memória os três conselhos, que representavam todas as suas soldadas; e quando se ia embora, a dona da casa deu-lhe um bolo para o caminho, se tivesse fome; mas que era melhor comê-lo em casa com a mulher, quando lá chegasse. Partiu o homenzinho do Senhor, e encontrou-se na estrada com uns almocreves que levavam uns machos com fazendas; foram-se acompanhando e contando a sua vida, e chegando lá a um ponto da estrada, disse um almocreve que cortava ali por uns atalhos, porque poupava meia hora de caminho. O rapaz foi batendo pela estrada real, e quando ia chegando a um povoado, viu vir o almocreve todo esbaforido sem os machos; tinham-no roubado e espancado na quelha. Disse o moço:
– Já me valeu o primeiro conselho.
Seguiu o seu caminho, e chegou já de noite a uma venda, onde foi beber uma pinga, e onde tencionava pernoitar; mas quando viu o taverneiro já homem entrado, e a mulher ainda frescalhuda, pagou e foi andando sempre, Quando chegou à vila, ia lá um reboliço; era que a Justiça andava em busca de um assassino que tinha fugido com a mulher do taverneiro que fora morto naquela noite. Disse o rapaz lá consigo:
– Bem empregado dinheiro o que me levou o patrão por este conselho.
E picou o passo, para ainda naquele dia chegar a casa. E lá chegou; quando se ia aproximando da porta, viu dentro de casa um homem, sentado ao lume com a sua mulher! A sua primeira ideia foi ir matar logo ali a ambos. Lembrou-se do conselho, e curtiu consigo a sua dor, e entrou muito fresco pela poria dentro. A mulher veio abraçá-lo, e disse:
– Aqui está meu irmão, que chegou hoje mesmo do Brasil. Que dia! E tu também ao fim de quatro anos!
Abraçaram-se todos muito contentes, e quando foi a ceia para a mesa, o marido vai a partir o bolo, e aparece-lhe dentro todo o dinheiro das suas soldadas. E por isso diz o outro, ainda há quem faça bem.

As Três Cidras do Amor

Era uma vez um príncipe, que andava à caça: tinha muita sede, e encontrou três cidras; abriu uma, e logo ali lhe apareceu uma formosa menina, que disse:
– Dá-me água, senão morro.
O príncipe não tinha água, e a menina expirou. O príncipe foi andando mais para diante, e como a sede o apertava partiu outra cidra. Desta vez apareceu-lhe outra menina ainda mais linda do que a primeira, e também disse:
– Dá-me água, senão morro.
Não tinha ali água, e a menina morreu; o príncipe foi andando muito triste, e prometeu não abrir a outra cidra senão ao pé de uma fonte. Assim fez; partiu a última cidra, e desta vez tinha água e a menina viveu. Tinha-se-lhe que brado o encanto, e como era muito finda, o príncipe prometeu casar com ela, e partiu dali para o palácio para ir buscar roupas e levá-la para a corte, como sua desposada. Enquanto o príncipe se demorou, a menina olhou dentre os ramos onde estava escondida, e viu vir uma preta para encher uma cantarinha na água; mas a preta, vendo figurada na água uma cara muito linda, julgou que era a sua própria pessoa, e quebrou a cantarinha dizendo:
– Cara tão linda a acarretar água! Não deve ser.
A menina não pôde conter o riso; a preta olhou, deu com ela, e enraivecida fingiu palavras meigas e chamou a menina para ao pé de si, e começou a catar-lhe na cabeça. Quando a apanhou descuidada, meteu-lhe um alfinete num ouvido, e a menina tornou-se logo em pomba. Quando o príncipe chegou, em vez da menina achou uma preta feia e suja, e perguntou muito admirado:
– Que é da menina que eu aqui deixei?
– Sou eu, disse a preta. O sol crestou-me enquanto o príncipe me deixou aqui.
O príncipe deu-lhe os vestidos e levou-a para o palácio, onde todos ficaram pasmados da sua escolha. Ele não queria faltar à sua palavra, mas roía calado a sua vergonha. O hortelão, quando andava a regar as flores, viu passar pelo jardim uma pomba branca, que lhe perguntou:

– Hortelão da hortelaria,
Como passou o rei
E a sua preta Maria?

Ele, admirado, respondeu:

– Comem e bebem,
E levam boa vida.

– E a pobre pombinha
Por aqui perdida!

O hortelão foi dar parte ao príncipe, que ficou muito maravilhado, e disse-lhe:
– Arma-lhe um laço de fita.
Ao outro dia passou a pomba pelo jardim e fez a mesma pergunta: o hortelão respondeu-lhe, e a pombinha voou sempre, dizendo:
– Pombinha real não cai em laço de fita.
O hortelão foi dar conta de tudo ao príncipe; disse-lhe ele:
– Pois arma-lhe um laço de prata.
Assim fez, mas a pombinha foi-se embora repetindo:
– Pombinha real não cai em laço de prata.
Quando o hortelão lhe foi contar o sucedido, disse o príncipe:
– Arma-lhe agora um laço de ouro.
A pombinha deixou-se cair no laço; e quando o príncipe veio passear muito triste para o jardim, encontrou-a e começou a afagá-la; ao passar-lhe a mão pela cabeça, achou-lhe cravado num ouvido um alfinete. Começou a puxá-lo, e assim que lho tirou, no mesmo instante reapareceu a menina, que ele tinha deixado ao pé da fonte. Perguntou-lhe porque lhe tinha acontecido aquela desgraça e a menina contou-lhe como a preta Maria se vira na fonte, como quebrou a cantarinha, e lhe catou na cabeça, até que lhe enterrou o alfinete no ouvido. O príncipe levou-a para o palácio, como sua mulher e diante de toda a corte perguntou-lhe o que queria que se fizesse à preta Maria.
– Quero que se faça da sua pele um tambor, para tocar quando eu for à rua, e dos seus ossos uma escada para quando eu descer ao jardim.
Se ela assim o disse, o rei melhor o fez, e foram muito felizes toda a sua vida.

O Caldo de Pedra

Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse:
– Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade:
– Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.
Responderam-lhe:
– Sempre queremos ver isso.
Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:
– Se me emprestassem aí um pucarinho.
Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.
– Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas.
Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele:
– Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.
Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo:
– Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.
Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:
-Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.
A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela.
Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:
– Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...
Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe:
– Ó senhor frade, então a pedra?
Respondeu o frade:
– A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.
E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

O Boi Cardil

Um rei tinha um criado, em quem depositava a maior confiança, porque era o homem que nunca em sua vida tinha dito uma mentira. Recebeu o rei um presente de boi muito formoso, a que chamavam o boi Cardil; o rei tinha-o em tanta estimação que o mandou para uma das suas tapadas acompanhado do criado fiei para tratar dele. Teve uma ocasião uma conversa com um fidalgo, e falou da grande confiança que tinha na fidelidade do seu criado. O fidalgo riu-se:
– Porque te ris? – perguntou o rei.
– É porque ele é como os outros todos, que enganam os amos.
– Este não!
– Pois eu aposto a minha cabeça como ele é capaz de mentir até ao rei.
Ficou apostado. Foi o fidalgo para casa, mas não sabia como fazer cair o criado na esparrela e andava muito triste. Uma filha nova e muito formosa, quando soube a causa da aflição do pai, disse:
– Descanse, meu pai, que eu hei-de fazer com que ele há-de mentir por força ao rei.
O pai deu licença. Ela vestiu-se de veludo carmesim, mangas e saia curta, toda decotada, e cabelos pelos ombros e foi passear para a tapada; até que se encontrou com o rapaz que guardava o boi Cardil. Ela começou logo:
– Há muito tempo que trago uma paixão, e nunca te pude dizer nada.
O rapaz ficou atrapalhado e não queria acreditar naquilo, mas ela tais coisas disse e jeitinhos deu que ele ficou pelo beiço. Quando o rapaz já estava rendido, ela exigiu-lhe que, em paga do seu amor, matasse o boi Cardil. Ele assim fez e deu-se por bem pago todo o santíssimo dia.
A filha do fidalgo foi-se embora, e contou ao pai como o rapaz tinha matado o boi Cardil; o fidalgo foi contá-lo ao rei, fiado em que o rapaz havia de explicar a morte do boi com alguma mentira. O rei ficou furioso quando soube que o criado lhe tinha matado o boi Cardil, em que punha tanta estimação. Mandou chamar o criado.
Veio o criado, e o rei fingiu que nada sabia; perguntou-lhe
– Então como vai o boi?
O criado julgou ver ali o fim da sua vida e disse:

Senhor! pernas alvas
E corpo gentil,
Matar me fizeram
Nosso boi Cardil.

O rei mandou que se explicasse melhor; o moço contou tudo. O rei ficou satisfeito por ganhar a aposta, e disse para o fidalgo:
– Não te mando cortar a cabeça como tinhas apostado, porque te basta a desonra de tua filha. E a ele não o castigo porque a sua fidelidade é maior do que o meu desgosto.

O Aprendiz de Mago

Um homem de grandes artes tinha na sua companhia um sobrinho, que lhe guardava a casa quando precisava sair. De uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:
– Estas chaves são daquelas duas portas; não mas abras por cousa nenhuma do mundo, senão morres.
O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo. Daí a pouco chegou o Mago:
– Desgraçado! para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida?
O rapaz tais choros fez que o Mago lhe perdoou. De outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta à chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar:
– Ai que agora é que estou perdido!
O cavalo branco falou-lhe:
– Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.
Palavras não eram ditas, o Mago abriu a porta da casa: o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita:
– Foge! que aí chega o meu tio para me matar.
O cavalo branco correu pelos ares fora; mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar:
– Corre! que meu tio já me apanha para me matar.
O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz:
– Deita fora o ramo.
Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, puseram-se muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar:
– Corre! que já aí está meu tio, que me vai matar.
Disse o cavalo branco:
– Bota fora a pedra.
Logo ali se levantou uma grande serra cheia de penedias, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. Mais adiante, grita o rapaz:
– Corre, que meu tio agarra-nos.
– Pois atira ao vento o punhado de areia, disse-lhe o cavalo branco.
Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. Foram dar a uma terra onde se estavam fazendo muitos prantos. O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos por ele chamasse mas que nunca dissesse como viera ter ali. O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos.
– É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha aonde ninguém pode chegar.
– Pois eu sou capaz de ir lá.
Foram dizê-lo ao rei; o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo.
A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. Perguntou-lhe o rei:
– Porque choras tanto, minha filha?
– Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a fada minha madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez ou ficar para sempre encantada.
O rei mandou lançar o pregão em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa; porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não torna atrás.

Os Dez Anõezinhos da Tia Verde-Água

Era uma mulher casada, mas que se dava muito mal com o marido, porque não trabalhava nem tinha ordem no governo da casa; começava uma coisa e logo passava para outra, tudo ficava em meio, de sorte que quando o marido vinha para casa nem tinha o jantar feito, e à noite nem água para os pés nem a cama arranjada. As coisas foram assim, até que o homem lhe pôs as mãos e ia-a tosando, e ela a passar muito má vida. A mulher andava triste por o homem lhe bater, e tinha uma vizinha a quem se foi queixar, a qual era velha e se dizia que as fados a ajudavam. Chamavam-lhe a Tia Verde-Água:
– Ai, Tia! vocemecê é que me podia valer nesta aflição.
– Pois sim, filha; eu tenho dez anõezinhos muito arranjadores, e mando-tos para tua casa para te ajudarem.
E a velha começou a explicar-lhe o que devia fazer para que os dez anõezinhos a ajudassem; que quando pela manha se levantasse fizesse logo a cama, em seguida acendesse o lume, depois enchesse o cântaro de água, varresse a casa, aponteasse a roupa, e no intervalo em que cozinhasse o jantar fosse dobando as suas meadas, até o marido chegar. Foi-lhe assim indicando o que havia de fazer, que em tudo isto seria ajudada sem ela o sentir pelos dez anõezinhos. A mulher assim o fez, e se bem o fez melhor lhe saiu. logo à boca da noite foi a casa da Tia Verde-Água agradecer-lhe o ter-lhe mandado os dez anõezinhos, que ela não viu nem sentiu, mas porque o trabalho correu-lhe como por encanto. Foram-se assim passando as coisas, e o marido estava pasmado por ver a mulher tornar-se tão arranjadeira e limposa; ao fim de oito dias ele não se teve que não lhe dissesse como ela estava outra mulher, e que assim viveriam como Deus com os anjos. A mulher contente por se ver agora feliz, e mesmo porque a féria chegava para mais, vai a casa da Tia Verde-Água agradecer-lhe o favor que lhe fez:
– Ai, minha Tia, os seus dez anõezinhos fizeram-me um servição; trago agora tudo arranjado, e o meu homem anda muito meu amigo. O que lhe eu pedia agora é que mos deixasse lá ficar.
A velha respondeu-lhe:
– Deixo, deixo. Pois tu ainda não viste os dez anõezinhos?
– Ainda não; o que eu queria era vê-los.
– Não sejas tola; se tu queres vê-los olha para as tuas mãos, e os teus dedos é que soo os dez anõezinhos.
A mulher compreendeu a causa, e foi para casa satisfeita consigo por saber como é que se faz luzir o trabalho.

Sempre Não

Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada: receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: – Não. Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse. O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distracção senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão, e disse:
– Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?
Ela respondeu:
– Não!
O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:
– Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra?
Ela respondeu:
– Não.
Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:
– E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta?
Ela respondeu:
– Não.
Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas:
– Então fechais-me o vosso castelo?
Ela respondeu:
– Não.
– Recusais que pernoite aqui?
– Não.
Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo
– Não.
Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:
– Consentis que eu fique longe de vós?
Ela respondeu:
– Não.
– E que me retire do vosso quarto?
– Não.
O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não; mas quando ia já a contar a modo como se metera na cama da castelã, o marido já sem ter mão em si, perguntou agoniado:
– Mas onde foi isso cavaleiro?
O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:
– Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.
O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.

O Sargento Que Foi Ao Inferno

Havia numa terra um sargento, que era muito bom rapaz; um rico mercador tomou-lhe amizade, arranjou-lhe a baixa e tomou-o para seu empregado. Como o mercador tinha filhas, o sargento apaixonou-se por uma delas: ora o mercador era muito desconfiado e nunca deixava sair as filhas de casa, mas pela grande conta em que tinha o rapaz ele mesmo lhe falou para se fazer o casamento. Tudo corria muito bem; vai, acontece ir uma peça muito linda no teatro, e como as filhas desejassem ver, pediram ao sargento, que só ele é que era capaz de apanhar licença do pai para as deixar ir ver. O mercador ficou carrancudo, mas deu licença, dizendo:
– Deixo ir as minhas filhas com o senhor, e é com a condição, que quando der a última badalada da meia-noite hão-de estar aqui à porta.
Disseram todos que sim, e partiram.
Quase perto da meia-noite, o rapaz disse para a sua noiva, que era bom retirarem-se para casa. Mais um bocadinho, mais um bocadinho; pede daqui, pede dali, o certo é que já tinha dado a meia-noite, eles ainda longe de casa.
Assim que o rapaz bateu à porta, abriu-se logo de repente, e o mercador começou a bradar:
– Foi assim que o senhor cumpriu as ordens que eu lhe dei? Pois trate já de arranjar as suas coisas que nem já esta noite me fica em casa.
– Oh senhor, então só por isto! E quando estava já para casar com sua filha!
O velho respondeu-lhe:
– Só tem um meio de poder casar com minha filha, e voltar para casa.
– Qual?
– Vá ao Inferno, e traga-me três anéis que o Diabo tem no corpo, dois debaixo dos braços, e outro num olho.
O rapaz achou aquilo impossível; mas que remédio teve senão pôr-se a caminho. Na primeira terra a que chegou, pregou um edital em que dizia: "Quem quiser alguma coisa para o Inferno, amanhã parte um mensageiro." Isto causou grande curiosidade, até que chegou aos ouvidos do rei, que mandou chamar o rapaz. Perguntou-lhe o rei:
– Como é que você vai ao Inferno?
– Real senhor, por ora ainda não sei; ando em procura dele, e irei lá, dê por onde der.
– Pois bem, disse o rei, quando encontrares o Diabo, pergunta-lhe se ele sabe de um anel de muito valor que eu perdi, do que ainda tenho grande desgosto.
Chegou o rapaz a outra terra e botou o mesmo anúncio. O rei também o mandou chamar:
– Tenho uma filha que padece uma doença muito grande, e ninguém lhe acerta com o mal. Já que vais ao Inferno quero que saibas por lá onde é que estará a cura.
O rapaz partiu sempre à procura do Inferno, e foi dar a uma encruzilhada em que estavam dois caminhos, um com pegadas de gente, e o outro com pegadas de ovelhas. Pensou, e por fim seguiu pelo caminho das pegadas de gente; ao meio dele encontrou um ermitão, de barbas brancas, que rezava em umas camândulas muito grandes, e lhe disse:
– Ainda bem que tomaste por este caminho, porque esse outro é o que vai para o Inferno.
– Oh, senhor! E eu há tanto tempo que ando à procura dele!
O rapaz contou-lhe todo o acontecido; o ermitão teve compaixão dele, e disse:
– Já que tens de ir ao Inferno, vai, mas sempre leva contigo estas contas, porque antes de lá chegar tens de passar um rio escuro, e há-de ser um pássaro que te há-de levar para o outro lado; e quando ele te quiser afundar no rio, joga-lhe as contas ao pescoço. Daqui em diante não sei mais o que te sucederá.
Assim aconteceu. Chegado ao Inferno o rapaz teve um grande medo, e viu para ali um forno vazio e escondeu-se dentro dele. Quando estava todo agachado, passou uma velha muito velha e viu-o.
– O menino aqui! Ora coitadinho, que é tão lindo; se o meu filho o visse matava-o, com certeza. O que veio cá fazer?
O rapaz contou tudo à mãe do Diabo; a velha teve pena dele, e disse-lhe:
– Olhe; pois deixe-se ficar aqui escondido, porque eu não sei quando o meu filho virá; ele está assistindo à morte do Padre Santo, que está nas agonias, e quer-lhe apanhar a alma. O rapaz pediu à velha se sabia do Diabo as perguntas de que trazia encomenda. Quando estavam nestas conversas chegou o Diabo bufando; a velha escondeu-o logo, e disse:
– Anda cá, filho, para descansares; deita-te aqui no meu colo.
O Diabo deitou-se e ficou logo a dormir. A velha foi muito devagarinho com as unhas e arrancou-lhe um anel que tinha debaixo do braço. O Diabo mexeu-se desesperado, gritando:
– Isto o que é?
– Ai, filho, fui eu que me deixei dormir, e dei uma pendedela em cima de ti. Estava a sonhar com aquele rei que perdeu o anel, e que nunca mais o tornou a achar.
– Pois é verdade esse sonho, respondeu o Diabo; está debaixo de uma laje ao pé do repuxo do jardim.
O Diabo tornou a ficar a dormir; a velha sorrateira arrancou-lhe o segundo anel. O Diabo tornou a acordar desesperado:
_ Tem paciência, filho; tornei-me a deixar dormir e a sonhar com a filha daquele rei que nenhum médico sabe curar.
– Também é verdade; a doença dela é o sapo-sapão, que está metido no enxergão.
Tornou o Diabo a dormir. Para arrancar o anel do olho é que foram os trabalhos.
A velha tirou-o com um espéculo, e o diabo com a dor e zangado com as pendedelas, saiu pela porta fora. O rapaz recebeu tudo da velha; voltou para o mundo, quando ela chamou o pássaro: "Menino, menino, menino." Foi dali entregar as contas ao ermitão. Depois passou pela terra do rei que tinha perdido o anel, que lhe deu muito dinheiro quando o tornou a achar debaixo da laje. Depois passou pela corte do rei que tinha a filha doente, disse onde estava o sapo-sapão. A princesa melhorou logo, e o rei pediu-lhe para que dissesse a paga que queria.
– Quero que Vossa Majestade me dê o seu poder por oito dias.
O rei mandou deitar um pregão para ele governar oito dias; o rapaz partiu logo para a terra do sogro, e deu ordem logo que lá chegou para o mercador dentro em meia hora lhe vir falar à sua presença. O mercador foi, mas quando chegou era já mais de uma hora. O rapaz disse:
– Podia-o mandar matar, por me ter desobedecido, em vir depois da meia hora.
– Oh senhor, não me demorei por minha vontade.
– Pois sim. Mas porque não soube em tempo desculpar aquele pobre sargento que pôs fora de sua casa?
O mercador conheceu então o antigo noivo de sua filha, que tinha sempre chorado, confessou o seu erro, e pediu-lhe de joelhos muitos perdões. O rapaz entregou-lhe os anéis do Diabo, e nesse mesmo dia casou com a sua namorada, por quem tinha metido um pé no Inferno.

O Sal e a Água

Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas por sua vez, qual era a mais sua amiga. A mais velha respondeu:
– Quero mais a meu pai, do que à luz do Sol.
Respondeu a do meio:
– Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.
A mais moça respondeu:
– Quero-lhe tanto, como a comida quer o sal.
O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio de um rei, e aí se ofereceu para ser cozinheira. Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou dentro um anel muito pequeno, e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia: foi passando, até que foi chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.
Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas de noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito. Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que não comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não comia? Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:
– É porque a comida não tem sal.
O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não tinha botado sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.